14.8.06

UM ENIGMA

Wansclau seria nome de remédio se não estivesse impresso na carteira de trabalho de um senhor que conheci no ônibus, quando voltava para casa.

Tomei a condução ainda no ponto final. A velha máquina, motor roncando para não morrer, se preparava para cair mais uma vez na estrada quando um senhor de voz grave sentou-se atrás de mim. Falando alto, se jogou no banco como um saco de batatas, relinchando feito um cavalo barato. Enxuguei a nuca. Indócil, abriu a janela e mexeu com uma menina que estava do lado de fora. A moça bonitinha, apesar do uniforme roto de colégio estadual, trazia nos olhos o brilho de quem carrega consigo a felicidade. Wansclau, metade da cabeça para fora, jogou-lhe dois galanteios e um beijo estalado, que sumiu ao vento. Um rapaz surgiu na plataforma de embarque, pegou na mão da mocinha, as unhas vermelhas descascando de quem não tem moleza, e a tirou dali: a pequena esperava o namorado. Num instante o casal virou recordação.


Três pisadas no pedal do acelerador e o motorista, quatro botões abertos na blusa, São Jorge de prata boiando num mar de pêlos, tocou para fora do terminal. Wansclau não parava de falar um minuto: ao seu lado um amigo. Jorge entrara correndo, pouco antes de a condução partir. Ambos moravam no Jacaré, lugarejo humilde entre um condomínio de luxo na Região Oceânica e um shopping de gosto duvidoso. Por dois bairros e um engarrafamento de 20 minutos, os amigos conversaram entusiasmados sobre uma caixa de gordura. No final do engarrafamento, o combinado: de pé um churrasco e um mutirão para a obra da tal instalação sanitária. A cerveja era por conta.

O motorista seguia dando trancos no motor como quem doma uma besta enfurecida, a flanela desbotada vez ou outra na testa enxugava o suor. Um cheiro de diesel danado. Wansclau e Jorge, resolvido o problema do esgoto, conversavam agora sobre inferninhos. Jorge, mais experiente, dava dicas de bordéis como quem indica um médico de família: “Bom é o 512, perto da rodoviária”. O ônibus parou. Na escada, uma mulher. Wansclau cutucou o amigo: “Olha a gostosa que vai entrar, homem!”

A morena tinha os olhos levemente puxados. Se não fosse brasileira, arriscaria dizer que era indiana. Filipina não era. Era mais bonita. Talvez japonesa. Era uma graça. Duas braçadas de bunda. A calça não rasgou porque era de qualidade, suponho. Wansclau, olhos de raposa secando o cordeiro indefeso, insistiu: “Que gostosa, homem! Olha a calça como tá enfiada, doida pra levar vara”. Jorge, criado na alcova, sem mudar a respiração que estava calma, falou ao amigo: “'Boniteza' não põe mesa. Na cama é que a gente vê”, e saltou dois pontos à frente, deixando para trás o enigma como uma esfinge maldita. Wansclau não dormiu naquela noite.

6 comentários:

Anônimo disse...

auhahuhuahuauh
adorei!

Anônimo disse...

Isso tudo foi fruto da sua imaginação!

Anônimo disse...

Rodrigo>> Rapaz, o pior é que não... Você não faz idéia do que acontece no caminho para a Região Oceânica. Wansclau (é mole?!)entrou pra história!

C.>> Passa o álbum com os croquis. Pode ser por e-mail se preferir. ;)
Ah, eu quero o livro!
;*

Anônimo disse...

www.fotolog.com/nossos_croquis

Anônimo disse...

eu tenho um professor que se chama Wéden.

Anônimo disse...

Não interessa se aconteceu...