29.10.07

UM PUEMA

Anoitecer
(Carlos Drummond de Andrade)

É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz - morte - mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.


O poema está no livro A Rosa do Povo (José Olympio, 1945), escrito por Drummond durante a Segunda Guerra Mundial, o que faz dele um dos livros mais pessimistas do poeta. Lindo.

José Miguel Wisnik, grande compositor e professor de Teoria Literária da USP, musicou o poema e o incluiu no seu disco "Pérolas aos Poucos", de 2003. Aqui você pode conferir o resultado.

Around recomenda também a leitura do artigo de Liliana Harb Bollos.

2 comentários:

Anônimo disse...

não me parece ser a hora dos corvos bicando mas a hora dos vermes verminando

Anônimo disse...

no prelo a atualização do meu myspace