30.10.09

Um caminho no lixo: catador encontra redenção em caixas de papelão

Niterói é uma das duas melhores cidades para se viver no estado do Rio, segundo recente pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Perde apenas para Macaé, onde chovem petrodólares. A pesquisa tem como base a qualidade da saúde, educação, renda e emprego. Atividades informais estão descartadas, o que faz com que o catador de papel José Carlos Martins não exista para a pesquisa.

Seu Zé, como é conhecido, está na rua desde 1995. "A falta de trabalho me empurrou para a informalidade", diz o catador de papel de 39 anos, enquanto empilha caixas vazias sobre a carroça numa esquina de Niterói. A atividade é tão pesada quanto na construção civil, onde já deu expediente. No entanto, é senhor da sua rotina e não responde a superiores: “Trabalho seis horas por dia, faço meu horário e não tenho que ficar ouvindo ordens. Na rua é muito ‘maneiro’, tiro em média R$ 25 por dia”. Com o dinheiro, sustenta casa, duas filhas na escola (“disso eu não abro mão”) e está construindo outra residência no bairro Riodades. José Carlos está feliz, mas nem sempre foi assim.

Antes de encontrar-se, seu Zé andou perdido, praticando assaltos pelas ruas do Centro de Niterói: “Eu era ladrão”, diz de maneira direta, sem falso moralismo. Mas não era adepto da violência: “Nunca fiz mal a ninguém, sempre fui medroso. Roubava e saia correndo, morrendo de medo do cara me bater”. A vida de bandido terminou atrás das grades, onde passou quatro anos de cão. No cárcere, sofreu inúmeras humilhações pelos policiais, sentiu saudade da liberdade, dos amigos. Apanhou bastante. Quando saiu, decidiu mudar de vida: “A cadeia me ensinou muita coisa. Principalmente que eu não quero nunca mais voltar para lá”.

E foi um agente administrativo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quem lhe iluminou o caminho, apontando a reciclagem como ramo promissor. Seu Zé embarcou na onda e, desde então, cata papel no mesmo ponto há dez anos. “Eu retiro da rua o que as pessoas largam para trás. Tiro do lixo o meu sustento”. Seus ‘clientes’ vão desde as lojas de informática do Centro à Universidade Candido Mendes. Mas nem sempre o que está no lixo é lixo, ele nos ensina. “Já achei muita coisa boa. Certa vez catei uma caixa com 600 celulares novos. Pra tirar do lugar foi difícil, mas pra vender foi fácil, fácil. E faturei uma graninha”.

No lixo, José Carlos aprendeu o valor da reciclagem, não só o financeiro como, sobretudo, o ecológico. Apesar de não existir formalmente para a sociedade, tampouco entrar no índice da Firjan, seu Zé segue orgulhoso com seu trabalho de catador, certo de que está contribuindo, e muito, com o meio ambiente: “Eu ajudo muita gente. Uma garrafa pet demora 200 anos para se decompor. Eu faço ela sumir em 10 minutos”.
Obrigado, seu Zé.


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Essa vai para o presidente Lula, que ontem sugeriu que os jornalistas esquecessem a pauta do editor e fossem às ruas atrás dos personagens marginalizados pela nossa sociede: "Vocês (jornalistas) têm aqui a oportunidade de fazer a matéria da vida de vocês", disse o presidente em seu discurso na inauguração da Expocatadores (Exposição Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis) ontem, em São Paulo. Lula concluiria mais adiante: "Aí vocês vão compreender por que a figura do chamado formador de opinião pública, que antes decidia as coisas nesse país, já não decide mais. É porque esse povo já não quer mais intermediário."

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Em tempo: escrevi a matéria sobre o catador de papel há alguns dias, antes de qualquer sugestão presidencial. Mantive-a na gaveta aguardando uma boa oportunidade para publicá-la. Eis que chegou o momento.

Não fiz a matéria da minha vida, mas fiz da do Seu Zé.

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